Fazendo um balanço, acho que estou indo bem

Hoje no ônibus entrou um moço fedendo a mijo e cachaça. Eu senti nojo dele.
Então eu lembrei da aula de ontem a tarde quando conversamos sobre Manuel Bandeira, Bauman e o refugo humano gerado pelo capitalismo. Lembrei que eu comentei como a desumanização dessas pessoas revela nossa própria desumanização. Eu senti nojo de mim.

Quando desci do ônibus vi algumas pessoas sentadas atrás do hospital esperando a condução. Eles pareciam cansados. Sorri e desejei-lhes uma boa tarde. A moça de longas saias com o terço na mão que vinha logo atrás de mim não desejou boa tarde. Eu fiquei triste por ela. Eu senti orgulho de mim.

Fazendo um balanço, acho que estou indo bem.
Eu prefiro os dias sem sol. Sem chuva.
Ou eu acho que prefiro os dias de sol.
Mas o sol me dá alergia.
Coça, arde, incomoda.
Sendo assim, prefiro que ele fique escondido.

Também gosto de banhos de chuva.
Mas não é bom chegar no trabalho ou na faculdade com roupa ensopada e papel molhado.
Então prefiro que não chova.

Mas tudo isso é irrelevante.
Porque Salvador é uma cidade é bipolar.
Então se chove de manhã, à tarde faz sol e à noite volta a chover.
E se o dia amanhece aberto, depois fecha e chove. E depois abre e faz sol.
Há de se sair com roupa fresca, além de guarda-chuva e casaco.

Acho que prefiro mesmo é café.
Dias de tempo fechado. Sem chuva.
Sem greves de ônibus e com biscoitos assando no forno.
Um vinho no final do dia e um bom livro antes de dormir.

Um amor cairia bem, mas isso não é tão necessário.
O vinho, esse sim, é necessariíssimo.

Rotatividade

- Você sempre tem um favorito, não é?
- O que? - e quando me virei Raquel já estava longe, a caminho da cozinha.
- Eu disse que você sempre tem um favorito! - gritou já do outro cômodo.
- Como assim favorito?!
- Desses seus contatinhos. - disse, enquanto apoiava o ombro na porta da cozinha, o que me dava indícios de que a explicação seria longa - Sempre tem um que faz seus olhos brilharem. Aquele que você sorri quando vê a notificação e que te faz mover toda sua agenda para encontrar. Você até fica desapontada quando espera uma mensagem dele e vê que é de outro contato.
- Mas eu nunca gosto de um só.
- Eu sei. É por isso que você fica triste quando o favorito some e trata logo de arranjar outro para ocupar a vaga. Sempre tem que ter um favorito.
- O que significa isso?! - perguntei, em parte atônita e, em parte, dramática.
- Rotatividade - me respondeu enquanto saía da cozinha com um pedaço de pão e um copo de cerveja, caminhando em direção ao sofá.